Para Temer, povo pode relativizar democracia

26/08/2019 às 05h00

Por Malu Delgado | De São Paulo

Temer nega que tenha conspirado pela saída de Dilma e afirma que governo do PT poderia ter evitado impeachment

Em seu escritório no bairro paulistano do Itaim, o ex-presidente Michel Temer ainda mantém uma rotina de contatos políticos com ex-ministros e articulações internas do MDB, sigla que presidiu por 15 anos e que está representada no primeiro escalão com o ministro da Cidadania, Osmar Terra. Na última semana, recebeu a visita da senadora Ana Amélia (PP-RS) e do ex-ministro Antonio Imbassahy (PSDB-BA).

No dia em que recebeu o Valor para esta entrevista exclusiva, pediu à secretária que ligasse ao ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel. Temer contesta em detalhes os argumentos jurídicos que embasaram sua prisão preventiva, em março, e cobra retratação dos procuradores.

O ex-presidente critica excessos de órgãos subordinados aos Três Poderes e prega abertamente a mudança de regime do presidencialismo para o semipresidencialismo, a partir do final do mandato de Jair Bolsonaro, em 2022. Somente um novo regime, em sua visão, poderá evitar “traumas institucionais” como os provocados por impeachment, dos quais ele diz ter sido vítima.

O ex-presidente afirmou que Bolsonaro, na área econômica, pegou uma “estrada asfaltada” e continua políticas iniciadas em seu governo. Ele nega que o atual presidente tenha pendor autoritário, mas pontua que o eleitorado relativiza este fator: “O povo quer é resultado. Lamento dizer: se você está num sistema autoritário que dê pão à mesa de todos os brasileiros… você quer resultados”. Segundo o presidente, há um ambiente de “violação institucional” no país. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Valor: Como foi, na condição de ex-presidente da República, ter sido preso? Qual foi a sensação?

Michel Temer: No plano pessoal, extremamente desagradável. No plano jurídico, foi marcado pelo absurdo. Neste caso não havia sequer processo formado. Já pedi aos senhores procuradores, que fizeram um alarde extraordinário com a prisão, que tenham a dignidade funcional – não digo nem pessoal – de dizer que se equivocaram [nos argumentos de pedido de prisão preventiva]. Não fizeram isso. Vejo como um gesto equivocado juridicamente, punitivista e com objetivo de fazer alarde. É prejudicial evidentemente para mim, no âmbito moral, mas prejudicial para as instituições brasileiras. O que mais temos no Brasil é a violação de natureza institucional.

Valor: O que quer dizer exatamente com violação institucional?

Temer: Quebra da ordem constitucional. Pode parecer pretensioso, mas eu recomendaria que as pessoas, especialmente os que ocupam as mais variadas funções públicas, que leiam a Constituição. Tem que se manter a harmonia entre os Poderes não porque queiramos, mas porque nós somos autoridades constituídas. A única autoridade existente no país chama-se povo. Quando a Constituição diz que “todo poder emana do povo” não é regra de palanque, é regra jurídica. Quando a soberania nacional se manifesta, criando o Estado, como em 5 de outubro de 1988, ela disse: olha, vou criar vocês três. Ajam com independência administrativa, mas harmonia. Ou seja, toda vez em que há uma desarmonia o que há é uma inconstitucionalidade. Em vez de haver um único poder no Estado, como no absolutismo – “L’état est moi”, dizia Luiz XIV -, há três órgãos para se exercer o Poder. A partir deles é que há os órgãos inferiores. E esses órgãos inferiores não podem estar em busca de poder. Eles têm que acompanhar o que a estrutura do poder constitucional estabelece, por meio do Legislativo, Executivo e Judiciário. Neste sentido que digo que há equívocos institucionais muito acentuados. Meu dever agora, como de muitos, é tentar compor institucionalmente o país. Mais do que nunca o Brasil precisa de um grande pacto político.

Valor: Que tipo de pacto?

Temer: Político-institucional, entre os Poderes. Um grande concerto nacional para a pacificação do país. Um diálogo do presidente, com os Poderes do Estado, com governadores, com todos presidente de partido. Para não ficar esse permanente embate, sempre essa disputa. Surgiu a ideia, mesmo no plano jurídico, de saber quem é que vai ganhar. E não é isso. Você tem que promover Justiça. E Justiça significa certa harmonia.

Valor: O senhor diz que qualquer desarmonia é fruto de alguma inconstitucionalidade. Há violações institucionais praticadas a partir dos próprios poderes?

Temer: Acho que hoje não. Vejo um diálogo muito intenso entre o presidente [do STF] Dias Toffoli, o [presidente da Câmara] Rodrigo Maia, o [Davi] Alcolumbre [presidente do Senado] e o presidente Jair Bolsonaro. O que tem acontecido é que órgãos integrantes desses Poderes muitas vezes disputam coisas entre si, agridem os poderes constituídos. Entre eles acho que há harmonia. Veja o caso da Previdência. Lutei por isso por dois anos. Foi aprovado por força de um diálogo muito intenso que fez o Rodrigo Maia, naturalmente conversando com o Alcolumbre e o Executivo.

“Chamei o Congresso para governar comigo e deu resultado. As reformas foram fruto desta conjugação”

Valor: O presidente Bolsonaro tem dito que quem manda é ele. Há nesta retórica alguma exorbitância de poder?

Temer: Quem manda no Executivo, quem faz a agenda do país, é o Executivo. Isso está na Constituição. Ele não está dizendo que vai mandar no Legislativo e nem no Judiciário. Nem vai fazer lei nem vai fazer julgamentos. Cada um tem seu estilo. O dele é mais objetivo, mais direto. O meu era mais conciliador. No fundo ele poderia dizer: olha, com base na Constituição, quem determina as coisas no Executivo sou eu, não é o ministro, não é o diretor de departamento. Ele pode fazer isso. Quando eu invoco o Luiz XIV, é que o absolutista, o rei, o soberano, exercia todas as três funções: Executivo, Legislativo e Judiciário. Temos que interpretar as palavras de Bolsonaro.

Valor: Então para ficar claro, quando o senhor fala em violações institucionais, refere-se a órgãos submetidos aos três Poderes, e não a eles próprios?

Temer: Isso, é claro, está estampado no noticiário.

Valor: O senhor está se referindo à Vaza-Jato?

Temer: Veja, preciso tomar cuidado aqui para não parecer que estou combatendo a Lava-Jato. Ela visa apurar e combater a corrupção. Claro que eu sou a favor. Agora, é preciso cumprir o ritual processual constitucional. Os órgãos da Receita, todos eles, devem cumprir o que a Constituição estabelece. Quando o Bolsonaro diz isso, ele está retratando uma determinação constitucional. Eu, por exemplo, estou propondo muito uma espécie de semi-presidencialismo, em que o presidente e o primeiro-ministro exercem as funções governativas. Por que digo isso? Eu exerci, durante meu governo, esse quase semipresidencialismo. Chamei o Congresso para governar comigo, e deu resultado. As reformas que foram feitas, todas elas, foram fruto desta conjugação entre o Legislativo e o Executivo. Os fatos estão começando a indicar que em período próximo, daqui a algum tempo, a alguns anos, talvez se estabeleça um sistema semipresidencial ou semiparlamentar, em que o presidente da República e o primeiro-ministro exercem funções executivas. Isso evita grandes traumas institucionais. Você tem a mudança do governo com a maior tranquilidade e dentro dos moldes estabelecidos.

Valor: Por sua experiência, no Executivo e no Congresso, o senhor vê hoje possibilidade de este tema prosperar?

Temer: Não agora, né? Quem hoje foi eleito, tanto do Executivo quanto do Legislativo o foram com base na Constituição vigente. Mas quem sabe para 2022? Poder-se-ia começar a discutir esse assunto. É o que tenho posto.

Valor: Mas uma mudança que vigorasse já em 2022 ou começar a discussão para que isso tenha validade após 2022?

Temer: Talvez discutir agora para aplicar para 2022 ou quem sabe para depois de 2022. Você sabe que seis, sete, oito anos na vida de um país não é nada. Temos que aprimorar as instituições. O semipresidencialismo seria um aprimoramento.

Valor: Há muito questionamento no mundo hoje sobre as fragilidades democráticas num processo de erosões das instituições. O senhor acha que cabe esta leitura no Brasil?

Temer: Há sempre esse risco. O importante é que estejamos conscientes dele. Quando eu digo assim: nós temos que pregar uma outra fórmula de governo, é exatamente pautado pela ideia da preservação da democracia. Você me perguntará: aqui no Brasil há esse autoritarismo? Eu acho que não. Acho que há uma leitura equivocada daquilo que o presidente diz. O presidente está dizendo o óbvio. Segundo a Constituição, quem determina quem ocupa o cargo tal é o presidente da República. A democracia, de 1988 pra cá, vem sendo construída paulatinamente. Cada governo exerceu seu papel. Pode ter uma ou outra autoridade que seja mais, digamos, entusiasmada. Mas não creio que caminhamos para autoritarismo. Não há clima para isso.

“Se você está num sistema autoritário que dê pão à mesa de todos os brasileiros… você quer resultados”

Valor: O senhor foi acusado por setores políticos, ligados ao PT, e acadêmicos de participação de um golpe parlamentar. Já com Bolsonaro eleito, o senador Tasso Jereissati disse que o maior erro do PSDB foi ter entrado no seu governo. O senhor considera o impeachment um erro histórico?

Temer: Eu até torci, quando começou o impeachment da senhora ex-presidente, para que não acontecesse nada. Sempre achei que o impedimento, embora previsto na Constituição, é traumático. Impeachment não é julgamento jurídico. No julgamento político o juiz não tem que se pautar por provas. É juízo político, de conveniência, não jurisdicional. A regração constitucional foi obedecida. Se você me disser: mas você se sentiu confortável? Aprendi muito cedo que você tem que exercer adequadamente o papel que a vida te entrega. Confesso que se pudesse ter evitado, eu evitaria. Com toda franqueza, fizemos muito. Quando o presidente Bolsonaro me visitou gentilmente depois das eleições, eu disse: olhe, presidente, eu asfaltei o terreno. Claro que fui até certo ponto, mas o senhor vai pegar a estrada asfaltada. Peguei uma estrada esburacada e asfaltei. Desejo muito sucesso.

Valor: O impeachment tornou-se politicamente inevitável, na visão do senhor?

Temer: O impeachment é sempre traumático. Opto hoje pelo semipresidencialismo para evitar o impeachment. Aí tem voto de desconfiança, é mais tranquilo ao país. Poderia ter sido evitado [o impeachment] pelo antigo governo. Mas não foi.

Valor: O senhor conspirou pelo impeachment?

Temer: Conspiração alguma. Em uma certa ocasião eu até conversei com a ex-presidente, que pode testemunhar isso, dizendo que os pedidos de impedimento, e eu trabalhei nisso, seriam todos arquivados. Comuniquei isso a ela numa tarde no Palácio da Alvorada. Até disse: a senhora pode dormir tranquila. Depois, por eventos de natureza política, não foi possível evitar a deflagração do impedimento. Sempre trabalhei para evitar.

Valor: O senhor diz que asfaltou o país para o governo Bolsonaro. Acredita que ele está no caminho correto?

Temer: O governo Bolsonaro está dando sequência ao que eu fiz, em todos os setores. No Acordo União Europeia-Mercosul, no caso da Previdência, no caso das privatizações. As privatizações feitas neste primeiro momento tinham sido todas planejadas e documentadas pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio [Gomes de Freitas], que era da PPI e trabalhava com o [Wellington] Moreira Franco. Tudo aquilo já estava organizado para ser feito.

Valor: E o papel do Estado, o debate sobre liberalismo democrático, liberalismo progressista, persistência das desigualdades?

Temer: Sou contra qualquer rotulação. Liberalismo, socialismo. O que interessa é o resultado. O povo quer é resultado. Lamento dizer: se você está num sistema autoritário que dê pão à mesa de todos os brasileiros… você quer resultados. É sempre preciso conjugar os dois setores. Precisa ter privatização, liberalização, empresarial, com vistas à questão social. Vai liberar para ter emprego. Se isso criar empregos, se fizer melhorar a economia, muito bem. Não pode dizer simplesmente: agora só tem pobre no país, eu só vou cuidar da área social. Ou: ah, agora só tem rico então só vou cuidar do empresariado. Não pode.

Valor: Mas se se tolera um autoritarismo de resultados porque tem pão na mesa de todos não se abre mão de princípios democráticos?

Temer: Disse isso como exemplo. Quero dizer o seguinte: quando a economia vai bem, quando todos estão satisfeitos, você tem mais estabilidade no país. Insatisfação deriva do fato de que nem todos estão acolhidos.

Valor: Sobre essa cultura do punitivismo que o senhor cita, faria algum paralelo entre o que o senhor viveu e a situação do ex-presidente Lula?

Temer: É preciso examinar o caso do presidente Lula por inteiro. No meu caso não houve sequer processo, não houve sentença, não houve decisão, não houve audiência. Nada. No caso do presidente Lula é preciso verificar os pormenores. E aí, sob o foco jurídico, eu tomo cuidado para não dizer bobagem.

Valor: Todas as acusações contra o senhor de alguma maneira envolvem relação com construtoras, corrupção em obras (Eletronuclear, Angra 3, reformas na casa da sua filha, Porto de Santos etc). Como responde a acusações de propina, laços espúrios, ilícitos, de corrupção?

Temer: A pergunta que eu sempre faço é a seguinte: cadê a prova? Viram todas as minhas contas. Não encontraram nada. Tanto que não tocaram mais no assunto. Sigilo fiscal: quebraram. Nada. Afirmaram que eu há 45 anos organizei uma quadrilha para assaltar o Brasil e amealhei R$ 1,8 bilhão. Onde está a prova de um centavo disso? São barbaridades que acontecem hoje no Brasil. Se fazem isso comigo, imagine o que podem fazer com outras pessoas.

Valor: O senhor tem medo de ser preso novamente?

Temer: Com toda franqueza, nem vou responder.

Valor: O senhor vê o futuro do MDB como um balizador de centro? Imagina o MDB apoiando a reeleição de Bolsonaro?

Temer: A história do MDB sempre foi a de alguém importante para o governo. Não se sabe o que vai acontecer. Estão antecipando muito as eleições, só se fala em 2022. Não é bom. Não é útil. Essas coisas se decidem no último ano. Às vezes, nos últimos oito meses de governo.

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